segunda-feira, novembro 19, 2007

os sentidos dos lugares

As formas produzem sentido. É o que o historiador Roger Chartier descobre nos seus estudos sobre história da leitura. O que ele diz é que as interpretações que um livro pode suscitar não se esgotam no seu conteúdo. Seu suporte físico, por exemplo a edição, o papel utilizado, o tipo de fonte, a existência ou não de ilustrações, são parte fundamental da leitura, e também contêm um universo de significados que se amarram à experiência do leitor, ao mundo social, ao universo simbólico no qual se insere. Uma obra, seja ela qual for, numa edição austera, luxuosa, potencializa outras formas de leitura quando é lançada, por exemplo, em edição de bolso. Outro tipo de papel, outro tipo de capa (curioso é que as capas de pockets freqüentemente trazem chamadas do tipo “ o melhor livro de...”, “o mais vendido ...” – publicidade desnecessária , e até desrespeitosa, nas versões mais elegantes, e conseqüentemente mais caras). O conteúdo é o mesmo, mas a materialidade distinta confere a ele outros sentidos, outros valores.
Lugares são assim também. Penso nisso enquanto estou no melhor deles. O outro céu da Biblioteca Nacional que, como o de gesso das galerias do Cortázar, leva para um mundo diverso, de imponência e art noveau, do tempo em que o Rio queria ser Paris e a Biblioteca queria ser Bibliotèque. Enquanto isso, lá fora, a cidade passeia de havaianas, ora, somos tropicais.
Mas ah, o mundo de dentro. Imagens, sons. Numa espécie de espionagem intelectual investigo o que os outros estão lendo, ali o próprio Chartier, mais adiante Hobsbawm, hoje a História está em alta. Só se pode escrever com lápis, e o silêncio quase total da sala de leitura só é quebrado pelo ruído do grafite no papel, cadernetas, cadernões, folhas avulsas, panfletos, a pena é que lápis não escreve no verso da mão.
E claro, a leitura em um lugar assim é uma experiência completamente diferente daquela feita em casa, ou no parque, ou em outras bibliotecas. Não temos a mesma intimidade que temos com nossos livros, dobrados, rabiscados, domesticados. Mas temos um outro tipo, igualmente sedutor: um objeto que, de tão valioso, nem podemos saber onde fica guardado. E assim mesmo está ali, na sua frente, um tesouro que é seu por algumas horas. Valor de culto, quase a aura de Benjamin.
Mesmo morando aqui faz um tempo, continuo com minha visão exageradamente romântica do que é ler na Biblioteca Nacional. Acho que até por isso poupo um pouco minhas visitas ao lugar: para continuar tendo o gosto de, vez por outra, colocá-la em prática.

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