domingo, julho 15, 2007

domingueira

Lembro de um desenho animado, da Disney, acho, em que o personagem descobria a música do mundo:a gota de chuva pingando na folha, os passos de alguém apressado, a manchete na boca do vendedor de jornais, uma garrafa sendo aberta, isso não é um ruído, reinvenção do cachimbo de Magritte.
Domingo tem música também. A música ruidosa dos feirantes a uma quadra de casa. Do passeio na coleira dos cães de estimação. Do passeio anárquico dos cães de rua. Dos motores dos únicos dois carros parados no semáforo da Nossa Senhora de Copacabana.
Hoje é domingo, pede cachimbo. Ou pé de cachimbo? Quem disse que as frases do versinho precisam fazer sentido? Não as crianças.
Música em casa, Yo la tengo com espanhol no nome, músicas espanholas com nomes mexicanos. Música na minha cabeça, Velvet Underground com Sunday morning.
O Rio canta o jingle das Casas Pernambucanas para o frio que bate à porta e o inverno carioca não conhece casaco ou cachecol (da minha janela vejo uma árvore perdendo folhas e respiro aliviada, outono, pelo menos).
É inverno e não faz frio, é domingo e eu trabalho. Em algum lugar por aí deve haver uma canção que diz que a vida da gente não obedece ao protocolo.

domingo, julho 08, 2007

o amor nos tempos do orkut

Em Fragmentos do discuro amoroso, Barthes reserva um verbete para um elemento fundamental no imaginário romântico: as cartas de amor. Por que o desejo, compulsivo às vezes, de escrever para a pessoa amada, mesmo quando os temas esgotam e resultam numa mesma idéia, repetida quase que em cada linha, e mesmo assim não há cansaço nem em quem escreve nem em quem lê?
E Goethe responde:Porque recorri novamente à escritura? Não é preciso, querida, fazer pergunta tão evidente.Porque, na verdade, nada tenho para te dizer;entretanto tuas mãos queridas receberão este papel.
Então vem a imagem da espera ansiosa pelo carteiro, a comoção em reconhecer uma caligrafia, a carta lida e relida e beijada e guardada debaixo do travesseiro. Imagem tão alheia à nossa realidade, criaturas do mundo hi-tech, mal lembramos que o correio existe.
Mas oh, o amor encontrou uma via, como sempre encontra. E descobrimos o email romântico. Perdemos a angústia/delícia da espera, o frio na barriga ao identificar o remetente, mas ganhamos em praticidade. Nossa letra uniforme times new roman viaja pelo espaço virtual e chega agora mesmo ao destinatário.
Há um ano exatamente um email inaugurou uma sequência de postagens cujo resultado não é novidade para vocês.E hoje estou aqui, sorrindo enquanto digito. Não preciso mais de emails pra amenizar a saudade, mas eu os releio de tempos em tempos. Sou do tipo que acredita que algumas coisas resistem às nossas modernidades e cyberexperiências. Coisas do romantismo de antigamente, como a alegria da carta recebida, lida e relida e beijada e guardada debaixo do travesseiro.

sábado, julho 07, 2007

duas entradas, por favor

E vejam vocês como são as coisas. Se ontem mesmo eu reclamava que não vou mais ao cinema, porque o trabalho, porque o horário, isso e aquilo, ontem mesmo eu fui. Um arranjo com a Tati, que também trabalha aqui, e pronto. Lá fomos, eu e o Odyr, na incrível e inusitada aventura de sair de casa na sexta-feira à noite.
E a gente não foi num cinema qualquer. Não, a gente foi no enorme, lindo e glamouroso Roxy. É um daqueles cinemões de rua, letreiro gigante em vermelho, escadaria imponente, o hall iluminado por um lustre que desconhece a modéstia e desdenha da conta de luz.
E a sala, claro, o carpete e as cortinas e a tela grandiosa que é a constatação tão óbvia, tão lúcida de que nem a melhor televisão, nem de plasma e na parede, pode reproduzir o encantamento de ver as coisas com lentes de aumento, de acreditar, por um segundo, que o trem vai sair da tela na sua direção.
O Roxy é do tempo em que ir ao cinema era um grande acontecimento, aquelas duas horas mágicas em que o mundo é de sonho e cabe numa tela, com direito a pipoca e mãos dadas e beijos clandestinos entre uma cena e outra.
Ainda bem que vez por outra a gente pode ser desse tempo.

A propósito, fomos ver Ratatouille. Paris, gastronomia e considerações sobre o ofício do crítico. É sensacional.

sexta-feira, julho 06, 2007

o demônio e a srta. jana

O Paulo Coelho é o novo funcionário da casa de cultura. O universo conspirou pra que ele usasse um uniforme com o nome do cinema bordado na camisa, e agora, ao invés do caminho de Santiago, ele guia as pessoas até os filmes.
Meu desejo de fazer o looooongo e demorado e cansativo caminho místico-religioso-novo-sentido-à-vida do livro do mago é inexistente. Mas fico verde de vontade de fazer a mini-peregrinação até a sala de projeção( uns dez passos mais ou menos).
Há séculos não vou ao cinema, eu e meus horários bandidos e minha única folga na semana, dia de ficar em casa.
E enquanto trabalho o demônio faz pirraça e anuncia uma mostra com filmes de Orson Welles e Fellini e Buñuel, de graça e bem ali a dez passos.
A mim me resta olhar, do balcão, os contentes indo e vindo atrás do bruxo, enquanto Borges, imortalizado num ímã aqui na minha frente, diz que o paraíso é uma espécie de livraria.